domingo, março 25, 2012

A Aurora do Humano





Se fossemos documentar a história da Terra, dia por dia, ano por ano, desde seu nascimento como parte do sistema solar, por volta de 5 bilhões de anos atrás, num único volume de exatamente mil páginas, cada página cobriria  5 milhões de anos. Quase que o primeiro quarto do livro, cerca de 250 páginas, descreveria como surgiram aos poucos as condições propícias para o aparecimento da vida, após a condensação dos gases que formaram nosso  planeta. Nesse ponto, grunos gelatinosos , sem dúvida alguma vivos, ainda que muito primitivos, seriam vistos nas poças deixadas pela agitação das marés dos mornos oceanos. Mas a vida no mar, na forma como a conhecemos, teria de esperar até que avançássemos por nosso caminho através de três quartos do texto - A Idade dos Peixes foi há 500 milhões de anos. E as primeiras criaturas terrestres, descendentes dos peixes que desertaram do habitat aquático, surgem trinta páginas depois, por volta de 300 milhões de anos. Um dos períodos mais exóticos e, por certo, o que mais inspira terror na história da Terra, a Idade dos Dinossauros, constaria de umas trinta páginas, descrevendo o período entre 225 e 70 milhões de anos antes do presente, quando de modo incomum, desapareceram de súbito, sendo substituídos pela Idade dos Mamíferos.
Foi nesse ponto, há 70 milhões de anos, que apareceram os primeiros primatas, pequenas criaturas semelhantes ao rato que abandonaram a vida no chão e foram viver nas árvores. Foi a partir desse início simples que evoluíram os macacos, os antropóides e os humanos - nós partilhamos de uma herança primata com os macacos e os antropóides e também com criaturas menores.
        O mais distante ancestral identificável do homem (o primeiro hominídeo) faz sua aparição nas três últimas páginas antes do fim do livro, cerca de 12 milhões de anos atrás. Era o Ramapithecus. A linhagem Homo vem no fim da penúltima página e os primeiros artefatos de pedra seriam descritos na segunda metade da última página. E, testando ao máximo nossa capacidade de compreensão literária, o total desabrochar dos humanos modernos teria de restringir-se à última linha do livro, com a estética e o simbolismo das pinturas das cavernas da Idade da Pedra. O advento da agricultura, a Renascença, a turbulência da Revolução Industrial, as duas guerras mundiais, as viagens espaciais e tudo mais que constitui nossa História, seriam condensados na última palavra.
        No momento. os humanos podem ser os senhores da Terra, mas deveríamos considerar que se o nosso planeta tem uma longa história da qual os humanos modernos ocupam a fração ínfima, também é longo o seu futuro. Será que daqui 200 milhões de anos o Homo Sapiens terá o papel fundamental?
         O animal-homem é portador  de uma experiência paradoxal. Do ponto de vista natural o homem é o mais inadequado dos seres vivos. Simultaneamente é o mais poderoso de todos os animais. A que se deve isso?
        Num processo lento e gradual, ao longo de milhões de anos, o animal homem foi se diferenciando do restante dos seres vivos e enquanto ia perdendo força física e determinadas aptidões ia ganhando engenhosidade, inteligência. O fato é que o homem em vez de escavar  a terra com as suas mãos utiliza-se de ferramentas que ele mesmo fabrica, eliminando a aparente vantagem dos mais bem dotados.
        Por que ocorreu essa separação? Essa pergunta em meio a muitas outras faz parte de um mistério antropológico que tem suscitado entre cientistas especializados e leigos muita controvérsia. Questões sobre as chamadas ultimidades ( quem sou eu? De onde venho? para onde vou?) tem produzido excelentes perguntas, as quais entretanto somos incapazes de fornecer respostas rígidas e acabadas. Como a indagação tem sido permanente, as respostas tem apontado tanto para o terreno das evidências  como para as suposições. Uma verdade estabelecida hoje pode ser derrubada com novas descobertas.
        Exemplo disso é que até pouco tempo atrás acreditava-se que a África foi o berço da humanidade. Entretanto em 1989 foram descobertos na China, junto as margens do rio Hanjiang, os restos de um hominídeo classificado como Australopithecus. De acordo com as análises realizadas, esses restos fósseis tinham cerca de dois milhões de anos. Essa descoberta pode levar a uma reavaliação da teoria que considera a África como berço da humanidade.
        Uma resposta que navega no oceano das suposições está no livro 2001 - Uma Odisséia no Espaço de Arthur Charles Clark. O livro, uma interessante obra de ficção, inspirou o roteiro do filme que leva o mesmo título dirigido pelo cineasta inglês Stanley Kubrick, é considerado uma obra prima do cinema. A despeito de seu conteúdo existencial e filosófico que o torna para muitos hermético e incompreensível, procura entre outras coisas, criar uma experiência visual que ultrapasse a comunicação  verbal  e penetre diretamente no inconsciente. Logo na primeira cena ocorre uma imagem ontológica que procura interpretar o momento da ruptura entre os primatas primitivos e o homem o hominídeo.
        O filme começa na “Aurora do Homem”. Durante 15 minutos vemos um deserto sem homens. Os planos são longos, estáticos, os cortes bruscos dissolvendo em negro. Vemos um grupo de hominideos. Parecem humanos porque são ancestrais do homem. Reúnem-se em grupos, espécie de famílias, em torno de lugares onde existe água. Naquela manhã do homem. ainda ( ) macaco, há um bloco negro, um monolito. É a presença dessa entidade estranha que assiste (ou provoca) o despertar da inteligência naquele homem macaco. É a violência da descoberta do uso da força (representado pelo osso do animal) que dá o primeiro passo. Depois na defesa da água, ele a usará como arma. Essa violência, precursora do progresso, é seguida por um gesto de triunfo, o osso é jogado ao ar e num corte magnífico transforma-se numa nave espacial viajando no ano 2000 em direção à base - estação interplanetária. Nesse corte estão sintetizados alguns milhões de anos de civilização. Depois do primeiro empurrão a história foi sempre a mesma, O medo gerando a agressividade, a inteligência, a violência.