segunda-feira, novembro 05, 2012

O Futebol e o Brasil


"O futebol é um rito através do qual o País se enxerga."
(José Miguel Wisnik).

Com essa frase o músico, ensaísta e professor de literatura José Miguel Wisnik tenta decifrar em seu livro "Veneno Remédio":   a medida da importância que o futebol tem para nós.

Somente em anos recentes o Brasil começou gerar uma produção intelectual consistente sobre o futebol, o que tem contribuído para que o esporte seja pensando para além dos temas propostos pelas mesas-rondas transmitidas pelas emissoras de televisão. Na época em que eu estudava na década de 1980,  falar de futebol era uma heresia.  Com raras exceções, a academia considerava o tema uma alienação. Lembro-me de um professor da faculdade que também atuava no ensino básico que gostava de conversar sobre futebol e música pop. Um dia ele convidou os alunos para acompanha-lo à uma partida entre Corinthians e Ponte Preta no Pacaembu.  Foi ótimo!
Tem-se escrito cada vez mais sobre futebol no Brasil. Há o livro clássico do Mario Filho O Negro no Futebol Brasileiro. Há Nelson Rodrigues, o clássico absoluto. Há o livro do Roberto da Matta: A bola corre mais que os homens. Há  também o livro Footballmania  de Leonardo Pereira, o  livro de Bernardo de Hollanda: O descobrimento do futebol. O livro de João Máximo sobre João Saldanha, o de Ruy Castro sobre Garrincha, o de Alex Bellos sobre o Brasil e o futebol, o de Jorge Caldeira sobre Ronaldo. O texto de Anatol Rosenfeld escrito em 1956 para uma revista alemã, que se encontra em Negro, macumba e futebol. E o livro do historiador Hilário Franco A dança dos deuses: futebol, cultura, sociedade, 
Até o falecido professor Hobsbawm já manifestou-se acerca do futebol:

O futebol hoje sintetiza muito bem a dialética entre identidade nacional, globalização e xenofobia dos dias de hoje. Os clubes viraram entidades transnacionais, empreendimentos globais. Mas, paradoxalmente, o que faz do futebol popular continua sendo, antes de tudo, a fidelidade local de um grupo de torcedores para com uma equipe. E, ainda, o que faz dos campeonatos mundiais algo interessante é o fato de que podemos ver países em competição. Por isso acho que o futebol carrega o conflito essencial da globalização.Os clubes querem ter os jogadores em tempo integral, mas também precisam que eles joguem por suas seleções para legitimá-los como heróis nacionais. Enquanto isso, clubes de países da África ou da América Latina vão virando centros de recrutamento e perdendo o encanto local de seus encontros, como acontece com os times do Brasil e da Argentina. É um paradoxo interessante para pensar sobre a globalização.
Folha de São Paulo - Terça-Feira 09 de Outubro de 2007

Da parte que me cabe neste latifúndio, penso que o nacionalismo brasileiro nem sempre calçou chuteiras, isto é, nem sempre foi representado pelo futebol. Como sabemos, no século XIX o nacionalismo  brasileiro teve sua expressão representada pela literatura romântica. José de Alencar em  obra Iracema, faz uma alegoria para a formação da nação brasileira. A índia Iracema representa a natureza virgem e a inocência, enquanto o colonizador Martim representa a cultura europeia. Da junção dos dois surgirá a nação brasileira, representada alegoricamente,  pelo filho do casal, Moacir.
Como sabemos, o futebol foi introduzido por Charles Miller no século XIX (a primeira bola de futebol do Brasil foi trazida em 1894), um jovem brasileiro que, após viagem pela Inglaterra, trouxe consigo duas bolas de futebol e passou a tentar converter a comunidade de britânicos da cidade de São Paulo de jogadores de críquete para futebolistas, criando um clube de futebol no Brasil. Nos primeiros tempos, a aristocracia dominava ligas de futebol. Só depois de muito tempo o esporte começou a ganhar as várzeas. Inicialmente, apenas brancos podiam jogar futebol no Brasil como profissionais, dado o fato da maioria dos primeiros clubes terem sido fundados por estrangeiros. Na década de 20, os negros começaram a ser aceitos em outros clubes, e o Vasco foi o primeiro dos clubes grandes a vencer títulos com uma equipe repleta de jogadores negros e pobres.
Durante os governos de Vargas foi feito um grande esforço para alavancar o futebol no país (A construção do Maracanã e a Copa do Mundo do Brasil 1950). A vitória no Mundial de 1958, com um time comandado pelos negros Didi e Pelé, pelo mulato Garrincha e pelo capitão paulista Bellini, ratificou o futebol como principal elemento da identificação nacional, já que reúne pessoas de todas as cores, condições sociais, credos e diferentes regiões do país.
Tanto em 1958 como em 1970 o futebol teve o uso de grande repercussão popular por governantes para promover a imagem positiva de seu governo. No caso, os então presidentes do Brasil, Juscelino Kubitschek em 1958 e Emilio Garrastazu Médici em 1970, exploram o êxito do Brasil nas respectivas Copas do Mundo de futebol.

Temos que concordar com os autores citados anteriormente, que o futebol é a maneira como representamos o Brasil para nós. Como diria Durkheim é o princípio da nossa consciência coletiva.  Por isso, todo mundo fica amofinado se o Brasil perde a Copa do Mundo.
O futebol caracteriza-se como um dos principais elementos da cultura de massa dos brasileiros e, por isso, é explorado politicamente, seja por dirigentes de clubes e astros do esporte para ascederem a cargos eletivos ou utilizado pelas autoridades políticas com finalidades eleitoreiras, além da exploração econômica pelos mais variados segmentos. 
Outra interpretação aponta o  futebol como arena onde as relações raciais brasileiras. se debatem. O território do gramado converte-se no microcosmo do território brasileiro. No campo, as relações sociais adquirem ao mesmo tempo sua transparência e sua opacidade.
O futebol é a ginga, é a malandragem, são as capacidades adaptativas ligadas à mestiçagem que fazem com que o futebol ganhe essas propriedades tão únicas tão bem incorporadas pelo nosso poeta mágico Chico Buarque:

Parábola do homem comum
Roçando o céu
Um
Senhor chapéu
Para delírio das gerais
No coliseu
Mas
Que rei sou eu
Para anular a natural catimba
Do cantor
Paralisando esta canção capenga, nega
Para captar o visual
De um chute a gol
E a emoção
Da ideia quando ginga

http://letras.terra.com.br/chico-buarque/681103/




Bem meus caros, penso que essa discussão é oceânica e não cabe no espaço exíguo desse blog. Nem tenho eu a pretensão de esgota-lá. O Corinthians é campeão da Libertadores.. E isso encerra, por enquanto, o assunto.



Um comentário:

Diogo disse...

Jorge!
Seu blog sempre genial. Adoro lê-lo.
Não suma não meu querido, mesmo que todos estejamos correndo, sempre.
Abraços!
Diogo