domingo, fevereiro 27, 2011

UMA MULHER CHAMADA HYPATIA




  No filme Ágora (Alexandria na versão brasileira) a cidade de Alexandria, sob o domínio romano (século V d.C)  é palco de um violento conflito religioso inscrito no fim da antiguidade: pagãos, judeus e cristãos disputam a soberania política, econômica e religiosa da cidade. Em meio ao conflito, está a brilhante astrônoma Hypatia (Rachel Weisz) que lidera um grupo de discípulos que luta para preservar a biblioteca de Alexandria. Dois deles disputam o seu amor: Orestes (Oscar Isaac) e o jovem escravo Davus (Max Minghella). Entretanto, Hypatia nega-se a viver uma relação conjugal e escolhe arriscar a sua vida em nome da VERDADE.
      Hypatia nega a entregar-se a uma situação social de submissão a qual estavam (estão?) as mulheres, nega aceitar o culto cristão e, por fim nega aceitar sem questionamentos as teorias astronômicas de Aristarco e Ptolomeu. 
      Diante de tantas negativas Hypatia é um exemplo notável de atitude filosófica. Partindo de um ceticismo metódico (desenvolvido por Descartes), o ceticismo metodológico fonsiste em duvidar de todos os conhecimentos que não sejam irredutivelmente evidentes. Segundo Descartes, tudo aquilo que não for completamente evidente e tudo aquilo que já nos tenha enganado no passado não pode ser considerado conhecimento verdadeiro. Por isso, a primeira regra do seu método defendia que nunca devemos "aceitar como verdadeira alguma coisa sem a conhecer evidentemente como tal: isto é, 'evitar cuidadosamente a precipitação e o preconceito; não incluir nos nossos juízos senão o que se apresentasse tão clara e tão distintamente ao nosso espírito que não tivéssemos nenhuma ocasião para o pôr em dúvida'." (Discurso do Método, Segunda parte).
   Mulher notável sua atitude é admirável. Sua vida foi movida pelo amor à sabedoria; pelo ardor em conhecer sem limites e sem fronteiras. Um conhecimento livre e barreiras dogmáticas e de interesses políticos. Hypatia pagou caro por isso.  Em março de 414 d.C foi presa por uma multidão de cristãos, que a despiu e procedeu com a remoção de sua carne de seus ossos usando conchas afiadas. Depois disso seu corpo foi cortado em pedaços e queimado.
      Leia abaixo o relato do jovem Eliakim Ferreira Oliveira, estudante da primeira série do Ensino Médio do Colégio Santa Maria

Ágora: Opiniões Propositivas Sobre O que é Filosofia?

."Mais que a mentira, as convicções são as piores inimigas da verdade."
(Friedrich Nietzsche, célebre filósofo do século XIX)

            Bem, a história do respectivo filme tem como pano de fundo a cidade cosmopolita de Alexandria (no Egito), em pleno século V da Era Cristã, isto é, no período pós-cristianização do Império Romano. Como toda a mudança, essa também acarretou em grandes consequências, como o fato de os cristãos, de perseguidos, passarem a ser perseguidores, frisando-se que direta e indiretamente atacam a cultura helenística pagã; cometem esses atos ora com palavras e insultos, ora com violência. Ou seja, o filme também retrata uma grande rivalidade existente, naquela época, entre o cristianismo e o paganismo. Essa é a chave para se entender o filme, que faz uma crítica ácida à intolerância religiosa e tenta, de forma subjetiva e contundente, apresentar-nos a grande questão: o que é filosofia?
            Nesse cenário complexo e, ao certo, perigoso, devemos direcionar nosso foco para uma pagã: Hypatia, sábia astrônoma, física e filósofa, encarregada de cuidar da Biblioteca de Alexandria - o ponto cultural mais importante da época. Hypatia tem em si a insígnia do conhecimento, do amor as descobertas, tornando essas atitudes além de qualquer valor cultural ou religioso da época. Ela também carrega o borbulhar do "ser filósofo": aquele que não quer que a nossa visão do mundo se conforme, mas sim que ela transborde – vá além do aparente; isso é algo antagônico em relação à religião, que se conforma com dogmas (verdades inquestionáveis). Observa-se essa contrariedade analisando as atitudes de Hypatia, que visam um questionamento de tudo o que está estabelecido. Posso citar como exemplo o fato de ela não aceitar nem os modelos de universo geocêntrico (de Ptolomeu) e nem o heliocêntrico (de Aristarco); o que ela procura mesmo é a verdade sobre o universo, não lhe importando se esta é heliocêntrica ou geocêntrica.
            Esse espírito questionador de Hypatia também se revela quando ela diz, numa cena muito marcante do filme, que, “se não pode questionar suas crenças, é melhor que não as tenha”. Essas palavras são o estopim para as perseguições dos cristãos, que tomam tal proposição como uma ofensa aos seus dogmas.
            Professor Jorge, eu creio que quando se tenta definir a filosofia, sempre partindo do pressuposto que realmente é um amor à sabedoria, devemos ter em mente que, para o filósofo analisar e desvendar estruturas sobre tudo o que engloba o conhecimento sobre o mundo - não necessariamente considerando em que campo filosófico está (podendo ser lógica, estética, metafísica, ética ou epistemologia) -, ele deve ter uma atitude de renúncia às crenças e aos juízos estabelecidos (que dão origem a preconceitos) e, por meio desse comportamento, estar acima da condição de sujeito anterior a renúncia, ou seja, estar acima da condição de sujeito mergulhado em conceitos instituídos.
           Eu aplico essa indagação anterior a Hypatia. Em minha concepção, vejo em seus gestos uma atitude de recusa, que é uma atitude filosófica!
            É claro que tais afirmações anteriores podem ser até um tanto enfadonhas, entretanto é apenas um ponto de partida para realmente alcançarmos o conceito que realmente queremos: o que é filosofia?
            Meu caro Eliakim. Mais do que o cumprimento de uma atitidade acadêmica você contribuiu para lapidar a compreensão dessa temática, elucidando de maneira clara e percuciente o que é a atitude filosófica.

         Fica a pergunta. O sacrifício de Hypatia valeu a pena? Foi útil? Foi inútil?  Ao que respondo citando a professora e filósofa Marilena Chaui:

Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar nosso mundo.
Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
Qual seria, então, a utilidade da Filosofia?
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.
(“Convite à Filosofia”, de MARILENA CHAUÍ, edição de 1994, Editora Ática.)

2 comentários:

Eliakim Ferreira Oliveira disse...

Os empiristas britânicos e o idealismo de Kant nos levam para o "pensar sobre o pensamento" ou um "conhecer o conhecimento". Já se pegarmos uma carona com Husserl - o "Sr. Fenomenologia" - chegaremos a uma rigorosa ciência dos fenômenos tal como nos aparecem, isto é, tal como é a nossa consciência perante eles. Como fechamento, não poderia eu não citar nosso querido Wittgenstein, que afirma, em sua primeira fase, ser os problemas filosóficas tradicionais resultados de confusões linguísticas.

Gabriel George Martins disse...

Eli? Caramba! Velho, vc é um gênio. Agora eu quero ver esse filme!